Faço minha a famosa exclamação de Cícero (Marcus Tullius Cicero, grande filósofo, orador, advogado e político romano, nascido em Arpino em 106 a.C. e assassinado em Formia no ano de 43 a. C.), que exprimiu deste modo a sua frustração contra a perfídia e a corrupção dos seus contemporâneos.
Hoje assistimos a um estranho paradoxo dos nossos tempos: somos uma civilização que tem vindo a atingir incríveis desenvolvimentos tecnológicos a uma espantososa rapidez, mas que moralmente parece regredir de dia para dia a níveis nunca vistos de requintes de malvadez. Nem nas piores épocas de barbárie. Todos os dias vemos com perplexidade surgirem novas formas de crueldade seja com os semelhantes humanos, seja com os animais. E permanecemos com a mesma frustração e sentimento de impotência de Cícero, pois parece já não haver como controlar e travar a onda de desumanidades que varre todo o planeta.
Também os nossos amigos gatos não escapam a esta “epidemia” de perversão humana, como o demonstram recentes eventos no nosso país (que de brandos costumes já não tem nada!) por ocasião dos festejos de São João. Já nem sei se é por ignorância, insensibilidade, ou se por pura maldade. Não me interessa. O que sei é que é difícil conter no peito a tristeza e a indignação.
Mas também sei ver a outra face da moeda. Por cada energúmeno que maltrata (e pior, mata) um gato, ainda vejo milhares de almas flutuantes que amam, cuidam e protegem. Infelizmente não podemos acudir e salvar todos os peludinhos. Mas podemos amar ainda mais, cuidar ainda melhor, proteger ainda mais acerrimamente aqueles que nos foram confiados. Em memória das vítimas de desumanidade, não acendamos uma vela. Em vez disso, continuemos a “entupir” cada vez mais, para desespero de muitas outras alminhas ainda agrilhoadas, as redes sociais de fotos e vídeos de gatos e humanos felizes.
Lembremo-nos que as trevas se dissipam com a luz...
Já alguma vez se questionaram porque é que se diz “De noite todos os gatos são pardos”? Eu sempre achei muito interessantes os nossos provérbios e ditos populares. Sobre gatos, ultimamente tenho encontrado inúmeros. Este é um dos mais populares, suponho. Mas afinal o que são gatos pardos? O vocábulo pardo deriva da palavra latina pardus que significa leopardo. Uma das características do leopardo, um primo dos nossos amigos gatos, é a sua pelagem que lhe serve muitas vezes de camuflagem para não se fazer notar sobretudo quando vai à caça de presas. Assim, para além de leopardo, uma das definições de pardo tem a ver precisamente com a cor, que neste caso será um gato que apresenta uma cor pouco definida, geralmente escura, variando entre o amarelado, o acastanhado e o acinzentado.
O provérbio refere-se ao facto de que de noite nós humanos vemos menos bem e não distinguimos as coisas com nitidez. A ciência explica que são os cones, células fotossensíveis da retina dos nossos olhos, os responsáveis por vermos as cores do mundo e nos ajudarem a vermos tudo de modo mais distinto. Por outro lado, os bastonetes são as células fotossensíveis da retina responsáveis pela nossa visão a preto e branco, distinguindo apenas as diferentes intensidades de brilho. São sensíveis ao movimento e ativam-se em condições de escarsa luminosidade. Ora, de noite como a luminosidade é baixa, a visibilidade é menor porque os nossos cones não conseguem distinguir as cores. Daí que na escuridão tudo se confunda, os objetos parecem ter todos a mesma cor e as pessoas dificilmente se reconhecem.
Os gatos, em relação a nós, conseguem ver melhor na escuridão ou semi-escuridão pois são caçadores crepusculares. Geralmente dedicam-se mais à caça nos confins do dia, e ainda que percam alguma agudeza visiva ganham em sensibilidade quando a luz é menos intensa. Já repararam nos olhos de um gato? São grandes, em comparação com as suas dimensões. Também a sua retina é grande. Possuem uma menor densidade de cones (27.000 por cada milímetro quadrado ao passo que a nossa ascende aos 150.000-180.000) na area centralis, a qual tem uma forma alungada e situa-se no centro da retina. Nos bastonetes são os gatos a vencerem-nos, com cerca de 400.000 células por milímetro quadrado contra as 175.000 dos humanos. Por conseguinte, em condições de obscuridade, quando são os bastonetes a trabalhar mais intensamente, os gatos podem movimentar-se como verdadeiros “reis da noite”.
Repetirei até à exaustão, amo gatos! O meu amor não distingue cores nem formatos. Sejam eles pretos, brancos, tigrados, amarelos, com cauda, sem cauda... se vejo um gato, desencadeia-se logo uma química perfeita entre mim e os pequenos felinos, os quais sempre me transmitiram uma maravilhosa sensação de bem estar. Que me perdoem os humanos, mas por vezes penso que comunico melhor com estes meus amiguinhos. Sintonizei as minhas antenas na frequência “miau”, o que é que querem?!
Ultimamente, tenho tido a sorte de me cruzar quase exclusivamente com gatos pretos. Eu digo sorte porque me faz mais sentido a sabedoria oriental que os considera verdadeiros talismãs. Tudo depende daquilo em que se acredita, naturalmente. Aqui pelas nossas bandas do ocidente já é outra história. Desde tempos antigos que os gatos, em especial os gatos pretos, foram associados a forças maléficas, nomeadamente às bruxas. Na Europa dos séculos XVI e XVII, as bruxas eram acusadas de se transformarem em gatos com o intuito de lançarem feitiços sobre as pessoas ou então para evitarem de serem capturadas. Por exemplo, a uma suposta bruxa escocesa de nome Isobel Gowdrie foi instaurado um processo de condenação por usar uma fórmula para se transformar em gato, a qual iniciava desta forma: “I shall goe intill ane catt...”.
Por volta de 1570, o inglês William Baldwin publicou o “Beware the Cat”, onde afirma que uma bruxa pode assumir semelhanças felinas num máximo de nove vezes. Será por tal motivo que se originou a crença nos países anglo-saxónicos, de que um gato possui nove vidas? Noutros países, a crença é de que são sete vidas.
Seja como for, a ideia de que o gato seja um animal inspirador de rituais ocultos fez parte da opinião comum durante muitos séculos. Nos nossos dias essa ideia vem sendo veiculada, mais do que pela tradição oral, pela literatura, arte, cinema, animação, e publicidade. Ainda continuamos a ver imagens de bruxas montadas em vassouras voadoras e com um gato preto a acompanhá-la. Eu não sei se existiram ou ainda existem bruxas de verdade, nem me interessa. O que me interessa é que um gato preto é um gato lindo e maravilhoso, e por acaso ou não, todos os que tenho o privilégio de encontrar e de interagir são extremamente meigos. Para mim, isto basta para os amar sem reservas nem preconceitos de qualquer espécie.
Por motivos de mudanças (céus, como dá fadiga mudar de casa, ainda por cima para outra cidade!!!), temos estado um bocado ausentes deste nosso espaço de conversas sobre os nossos amados gatos. Assim que for possível, voltaremos. Nos aguardem!!!
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