Com a nossa "máquina do tempo de gatos" já estivémos em África, Europa e Ásia, para conhecer o modo como os nossos antepassados viam e se relacionavam com os felinos em geral e o gato em particular. Que tal hoje darmos um saltinho à América?
Muito bem. Assim sendo, propomos recuar à época das grandes civilizações designadas pré-colombianas, ou seja, que se desenvolveram naquele continente antes da chegada de Cristóvão Colombo. Aliás, ao que parece, deve-se aos espanhóis a introdução dos gatos domésticos nos territórios americanos por eles conquistados. Contudo, já praticamente todas as etnias - Olmecas, Mixtecas, Zapotecas, Maias, Aztecas,Toltecas, Moches, Incas, Quetchua, só para citar as que mais se destacaram -, admiravam os felinos, especialmente o jaguar e o puma.
Em algumas, foram mesmo venerados a pontos de existirem divindades associadas a estes animais. Começamos pela Mesoamérica e a América do Sul. É o caso dos Aztecas, cujo deus Tepeyollotl (que significa "Coração da Montanha") é representado por um jaguar pulando para o Sol, que "persegue" diariamente tentando devorá-lo. As manchas da sua pele representam as estrelas no céu. Esta divindade encontrava-se associada às montanhas, aos terremotos e aos ecos (que são causados sempre que eleva a sua voz), bem como aos próprios jaguares. No calendário azteca, é um dos "Senhores da Noite", e corresponde a uma das manifestações do deus Tezcatlipoca. Este último era o soberano da noite e da terra, encontrando-se ligado à beleza, magia, discórdia e guerra. A mitologia azteca menciona um confronto com o deus Quetzalcóatl (uma das principais divindades dos Aztecas e Toltecas, que significa "serpente emplumada", representando a vida e a abundância) em que Tezcatlipoca é emerso nas profundezas do mar, e ao se elevar do fundo do oceano transforma-se num jaguar.
Os antigos Maias tinham entre o seu panteão diversos deuses-jaguares, como por exemplo o deus L, uma das suas mais antigas divindades, que controlava a magia negra e a prosperidade. Os Maias relacionavam o jaguar com o "sol nocturno". Honravam ainda Cit Chac Coh, o deus da guerra, considerado o "gémeo do puma". Realizavam-se festejos periódicos em sua honra e os soldados dançavam no seu templo, sacrificando um cão junto da sua imagem. Para Itzamna o jaguar era sagrado. Era o deus do céu, o pai dos deuses e criador da humanidade. Governava a sabedoria, a cura, a regeneração, a medicina, a água, as colheitas e a fertilidade. Por vezes surge como o fundador da civilização Maia, e como o primeiro sacerdote da sua religião.
Na civilização Mochicaou Moche, que surgiu entre os séculos I e VII no atual Perú antes da civilização Inca, para quem o jaguar era sagrado, um dos deuses mais importantes é Ai Apaec também designado "Degolador", considerado o criador e protetor dos Moche (particularmente dos agricultores, dos pescadores e dos caçadores), que provê a água e a comida, propiciando igualmente as vitórias militares. É representado através de uma figura antropomórfica com dentes e bigodes semelhantes àqueles de um grande felino, e com a cabeça coberta por uma pele de jaguar.
Os Quechua realizavam cerimónias religiosas para aplacar o espírito Ccoa, semelhante a um gato, senhor dos rios e do granizo, pois acreditavam que se o não fizessem, atingiria as populações e devastaria as suas colheitas.
Na América do Norte, muitas tribos representavam animais nos seus totems, incluíndo felinos. Para os Pawnee, por exemplo, o gato era um animal sagrado que simbolizava a destreza, a reflexão e a engenhosidade, e como tal era protegido, podendo apenas ser morto por ocasião de certos rituais.
Voltamos a propor uma viagem na máquina do tempo para "espreitar" como era considerado o gato em outras culturas antigas. O gato era venerado de acordo com modalidades diversas, quer como animal dotado de poderes particulares, quer como símbolo de energias superiores. Em muitos casos, os grandes felinos, como os tigres, leões e panteras, conquistaram a mesma simbologia do gato doméstico, sendo equiparados a este último.
Desta vez vamos até à Índia. Na religião hinduista, Shashthi-Devi, adorada sobretudo em Bengala, é a sexta encarnação da Mãe Terra. Em sânscrito escreve-se षष्ठी que significa literalmente "seis". O seu nome é Deva Sena, consorte de Subramanya Swami (Kumaraswami). É a deusa da maternidade que protege a gravidez, o parto e as crianças. Acredita-se que ela está sempre detrás das crianças, tomando conta delas e ajudando-as a crescerem saudáveis e a terem longividade. Quem ler, escrever ou escutar as suas histórias será abençoado com crianças. É ainda a deusa da vegetação e reprodução. É representada como uma figura maternal, segurando uma ou mais crianças, e cavalgando um enorme gato que simboliza a proliferação.
Outra deusa adorada sobretudo em Bengala, é a deusa Durga. É representada com oito braços, carregando armas e assumindo mudras ou gestos simbólicos com as mãos. Cavalga o seu animal sagrado, o tigre (por vezes também o leão), que representa a energia criativa feminina. Em bengali Durga escreve-se দুর্গা e em sânscrito दुर्गा, significando literalmente "a inacessível" ou "a invencível". Também conhecida como Maa Durga ("Mãe Durga"), é uma forma de Devi, a "Mãe Divina", a deusa suprema. Assume igualmente outras formas como Parvati, a esposa de Shiva, e Kali, outra manifestação de Parvati. Nasceu por vontade de outros deuses, entre os quais Shiva, com a missão de combater o demónio Mahishasura, que não podia ser derrotado nem por homens nem por entidades celestiais. A deusa Durga, sendo uma mulher guerreira, conseguiu matá-lo com o seu tridente. Existe uma vasta literatura que narra a sua gesta.
Na Índia encontram-se ainda estátuas de gatos ascetas que representam a beatitude do mundo animal, e o gato é considerado igualmente o aspeto de Yogini Vidali. Vidal em sâncrito é um sinónimo de gato. Narasimha, quarta encarnação do deus Visnù, é representado com corpo humano e cabeça de leão. A sua tarefa era derrotar um demónio que não podia ser morto por um deus, um homem ou um animal. Narasimha, o "Homem Leão" não era nenhum deles mas possuia as três naturezas, pelo que foi capaz de triunfar sobre o demónio.
Hoje é sexta feira 13, e algumas mentes por aí menos evoluídas ainda não se deram conta que os gatos pretos são apenas gatos pretos (adoráveis, por sinal), que não têm nada que ver com coisas esquisitas. Por conseguinte, nunca é demais lembrar aos humanos que hospedam gatos pretos que tenham o dobro do cuidado para os não deixar sair particularmente neste dia.
Superstições à parte, a mim a mitologia sempre exerceu um certo fascínio. Deste modo, proponho uma nova viagem na “máquina do tempo” para ver como após os Romanos, os gatos eram considerados entre os “Bárbaros”.
Na Gália e nas Ilhas Britânicas os gatos nem sempre foram vistos com bons olhos, muito embora em alguns rituais celtas os gatos provavelmente assumiram um papel importante como “portais” de acesso a uma dimensão espiritual. E sem ser associada aos celtas encontramos no Sul da França a lenda de Matagot, um espírito que assumia a forma de um gato e levava riqueza àqueles que o recebessem em suas casas, nutrindo-o e mimando-o.
Na Germânia os gatos eram muito apreciados pela sua utilidade como caçadores de ratos, sobretudo devido à peste que se difundia pela Europa da altura. Os germânicos chegaram mesmo a instituir leis que protegiam os gatos. Quem matasse um gato que era de guarda a um celeiro vinha punido com uma multa em géneros (carne, lã, leite ou trigo) em tal quantidade de cobrir o cadáver do pequeno felino.
Na Escandinávia os gatos eram sagrados e protegidos devido à mitologia nórdica. Uma das deusas mais adoradas era a deusa Freyja, asssociada ao amor e à beleza. Representada como uma bela mulher loura de olhos azuis, vestia um manto de penas de falcão que lhe conferia o poder de mudar de forma, e trazia o Brisengamen, um fabuloso colar de ouro. Comandava as Valquírias (dísir, divindades menores femininas que serviam Odin, o deus principal) e um dos seus muitos títulos era "Senhora dos Gatos", pois os gatos eram sagrados para ela. Dois deles, enormes e semelhantes a linces, puxavam o carro com que habitualmente a deusa se deslocava. Quem alimentasse os gatos vadios era por ela abençoado. Protetora dos enamorados, encontrava-se associada à Lua, aos espírititos benignos, à fertilidade, aos nascimentos e à adivinhação. Superentendia a clarovidência e a intuição, e era muito ligada às artes mágicas, ensinando aos outros deuses nórdicos a preparar porções amorosas e a lançar feitiços.
Graças à deusa Freyja ou Freya, também nos países do Norte os gatos eram um símbolo de feminilidade, independência, poderes mágicos, graciosidade e harmonia.
A minha gata de pêlo comprido e de olhos amarelos, a mais íntima amiga da minha velhice, cujo amor por mim é vazio de pensamentos possessivos, não aceita obrigações mais do o devido [...]. Meu par, assim como é par dos deuses, não me teme e não se irrita comigo, não me pede mais daquilo que sou feliz de dar [...]. Como é delicada e refinada a sua beleza, como é nobre e independente o seu espírito; como extraordinária é a sua habilidade de combinar a liberdade com uma dependência restritiva.
Este é um dos mais interessantes elogios que alguma vez li sobre um gato. Quem o escreveu foi o Imperador Octaviano Augusto, no ano 10 a. C., nas suas memórias. O que me impressionou foi o facto de Augusto compreender e exaltar a capacidade dos gatos em conciliar a sua convivência com os humanos (o que os torna dependentes, mas só relativamente), com a sua natureza livre.
Segundo também nos relata o naturalista romano Plínio, o gato era muito apreciado precisamente pelo seu espírito independente. Os romanos deixaram-se cativar, não somente pela beleza e elegância do gato (e por isso ele está bem representado nos frescos e nos mosaicos romanos), passando naturalmente pelos seus dotes de caçador, como o consideravam mesmo um símbolo da Liberdade. Por conseguinte, a deusa romana Libertas aparece com um gato aos seus pés. Outro facto curioso é que entre os estandartes de algumas das legiões romanas, encontrava-se a éfige de um gato.
Reza a lenda que foi Taras, o fundador de Taranto e filho do deus do mar Poseidon, quem levou do Egito alguns gatos para Roma, que rapidamente se foram difundindo pela Itália. Eram protegidos pela deusa Diana, filha de Júpiter e Latona e irmã gêmea de Febo. Uma das divindades femininas mais importantes da mitologia romana, era a protetora dos animais selvagens e domésticos, dos bosques e das fontes. Era ainda a deusa da caça e da Lua, correspondendo à deusa grega Artemisa, e muito evocada pelas mulheres para proteção durante a gravidez e o parto. Aos gatos, Diana concedeu poderes mágicos. Acreditava-se particularmente que os gatos pretos favorecessem as colheitas, pelo que quando algum deles morria era cremado e as suas cinzas espalhadas pelos campos.
E assim chegámos ao fim da primeira parte do nosso périplo pela história das origens da aliança entre os gatos e os homens. Podemos então regressar tranquilamente ao segundo milénio da nossa era, para continuar a observar e a dissertar sobre o nosso quotidiano povoado de traquinices e doçuras dos caros amigos gatos.
Posseguimos a nossa “viagem com a máquina do tempo”, com o intuito de procurar compreender um pouco melhor as origens do nosso enorme fascínio pelos gatos. Desta vez faremos uma breve paragem na Grécia Antiga, o berço da nossa civilização ocidental.
Também ali os gatos foram reconhecidos como seres especiais, portadores de boa sorte. Sobretudo a partir do século VIII a.C., os gatos passaram a fazer parte da tripulação dos navios gregos que cruzavam o mar com a missão de fundarem colónias na Itália e na Espanha, entre outras paragens mediterrânicas. Os gatos eram muito populares entre os marinheiros, os quais acreditavam que, por se encontrarem ligados às divindades atmosféricas, possuiam poderes mágicos capazes de manter afastadas as tempestades e de atrair os bons ventos. Além disso, caçavam os ratos que poderiam subtrair e causar danos nos mantimentos. Deste modo, os gatos davam-se muito bem a bordo, por quanto eram tratados com amor e respeito. E não apenas nos navios. Em Atenas, por exemplo, seriam numerosas as casas que albergavam gatos, considerados amigos dos proprietários.
A mitologia grega presta-lhes a devida honra, associando-os a Artemisa, a deusa da Lua, da caça e dos animais. Possuia o poder de se transformar num gato, ou de entrar no seu corpo. Será por isso que os gatos têm uma relação especial com a Lua? Eram igualmente considerados um símbolo de sabedoria, tendo por isso caído nas boas graças de Atena, a deusa que presidia à sabedoria, civilização, guerra e estratégia de guerra, artes, justiça e habilidades.
A destoar esta elevada reputação, encontramos nas fábulas de Esopo o gato retratado como um animal astuto que não olha a meios para atingir os seus fins. Porém, felizmente que nesta vida a medalha apresenta sempre duas faces, e podemos escolher aquela em que apostamos a alma e o coração. Assim, em vez de seguir os ecos negativos, insensatos e infundados, na maioria dos casos os antigos gregos preferiram ver nos amigos gatos forças superiores. Isso rendeu certamente a sua vida naqueles tempos passados numa aventura feliz com os seres humanos.
Os egípcios foram os grandes especialistas da Antiguidade no que respeita à veneração do gato. Este era considerado um animal sagrado que encarnava forças superiores. Por conseguinte, prestavam-lhe culto. Se bem que já em outras antigas civilizações fosse comum a adoração de divindades sob forma de animal, incluindo o gato, no Egito do tempo dos faraós esse costume intensificou-se e tornou-se mais sumptuoso. Construiram grandes templos em sua honra, dedicaram-lhe uma inteira cidade, e realizavam frequentes rituais de adoração a divindades ligadas aos gatos. Tornaram-se igualmente tema recorrente na arte e nos objetos quotidianos criados por artistas e artesãos, como estátuas, pinturas e baixos relevos, ou amuletos.
Os vestígios mais antigos de gato foram encontrados num túmulo da era pré-dinástica, situado nas proximidades de Assiut, datados de cerca de 4000 a.C. Estima-se que os felis sylvestris lybica, gatos selváticos egípcios que viviam nas margens do Nilo, tenham começado a aproximar-se dos humanos, os quais os domesticaram inicialmente com o objetivo de se livrarem dos ratos que infestavam os seus celeiros. Mas com o passar do tempo, os gatos difundiram-se nas casas, templos e em todos os edifícios, sendo muito bem cuidados.
Uma das divindades egípcias femininas mais adoradas, a partir de 1000 a.C., foi Bastet, a deusa gata. Era representada quer com um corpo de mulher e cabeça de gata, quer inteiramente com o corpo de uma gata. Simbolizava a vida, a fecundidade e a maternidade. Era uma versão mais soft da deusa leoa Sekhmet, que presidia ao culto familiar e simbolizava o amor, a família e a maternidade, e a sucessora de uma das deusas gata mais antigas, Mafdet, ligada à justiça, à custódia das salas reservadas aos soberanos e das bibliotecas, e sobretudo conhecida pela sua proteção contra a mordedura das serpentes e outros animais venenosos.
O myeu, como lhe chamavam os egípcios, era considerado um animal mágico com poderes ocultos e capacidades psíquicas. Acreditava-se que os seus olhos, que refletiam a luz e proporcionavam visão noturna, tinham o poder de afastar o mal e manter o Sol no céu. Aos gatos eram ainda atribuídos poderes adivinhatórios e de serem portadores de boa sorte. Para um egípcio, encontrar um gato morto era sinal de mau agoiro, geralmente relacionado com uma doença grave, uma morte na família ou outras desgraças. Significava que a deusa Bastet se havia encolerizado e era necessário aplacar a sua fúria através de oferendas. Por respeito pela deusa, cada família deveria hospedar um gato em sua casa. E quando o gato morria era embalsamado, a sua múmia depositada numa urna de madeira ou de bronze decorada com uma cabeça felina, e colocada em cemitérios apropriados.
O gato era venerado a tal ponto que, segundo referiu o historiador grego Heródoto, quando deflagravam fogos nas casas, os egípcios preocupavam-se primeiro em salvar os gatos e só depois as pessoas.
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